quinta-feira, 18 de junho de 2020

Os meus filhos nasceram assim

(Encontrei este texto nos rascunhos. Na altura foi escrito para partilhar e depois passou-me. Mostrei-o a uma amiga que me disse "partilha, é bom ler histórias boas". Aqui fica a minha história boa.)


Se me perguntassem há 2 meses se o parto do Duarte tinha sido bom eu responderia que sim, sem duvida. Entrei em trabalho de parto algures durante a tarde. Até aí não tinha tido qualquer sinal de contração ritmada ou outro sinal que o parto estaria para acontecer. As contrações nem sequer eram fortes ou dolorosas (e sendo eu na altura inexperiente na coisa nem sequer as identifiquei logo como contrações!). O “desconforto” foi-se tornando mais frequente ao longo da tarde e por volta das 20h estava com contrações a cada 5 minutos (mais coisa, menos coisa que não estava muito atenta à contagem). Estava sozinha e pedi para a minha irmã vir ter comigo. Uma hora depois a bolsa rebentou e com contrações bastante frequentes há algum tempo (que não passavam em repouso) e uma bolsa rebentada... comecei a sentir que talvez fosse hora de ir (e mesmo que não sentisse... a minha irmã ter-me-ia arrastado para lá!). No entanto o Tó estava em aulas e eu achava que não valia a pena grandes pressas. Arranjei-me e fomos para o hospital. Nestas andanças... dei entrada no hospital já a passar das 22h30. Continuava plenamente convencida que o bebé ainda iria demorar umas horas a nascer mas entretanto tinha avisado o rapaz que íamos para o hospital. Quando fui observada já tinha alguma dilatação (uns 4cm, se bem me lembro) e o CTG acusava as contrações frequentes, que começavam a ser dolorosas. Algum tempo depois o bebé começou a acusar algum sofrimento e fui logo para a sala de parto. A dilatação já tinha aumentado e o parto estava quase a acontecer. Pedi nesta fase epidural (tinha inicialmente recusado) e com a epidural deixei de sentir qualquer dor mas também de ter um papel activo. Chamaram o pai para entrar nesta fase. O Duarte demorou uns 5 minutos a nascer, com direito a episiotomia grande, ajuda da ventosa, a enfermeira deitada em cima de mim e a médica a dar indicações que eu não conseguia cumprir. Eram 23h55 quando ele nasceu. Não me apercebi que tinha sido utilizada a ventosa e... pior, não me apercebi que o bebé tinha nascido. Apercebi-me que ele nasceu porque repentinamente deixei de ter “atenção” da equipa ao meu redura . Não o ouvi logo chorar e não o via mas estavam todos a dizer-me que estava “tudo bem”. Lembro-me de sentir pânico/desespero/medo durante breves segundos que pareceram horas. Ele chorou. Embrulharam-no e entregaram-no ao pai. Vi finalmente o meu bebé, vi que estava bem, que tinha corrido tudo bem. Não me apaixonei por ele ali. Disseram que o tinham que levar novamente. Foi sozinho para outra sala com as enfermeiras para ser vestido, pesado, sei lá. Nasceu o meu bebé, 50cm, 3,050Kgs, um APGAR de 9/10, e a minha cabeça só me dizia “ok, missão cumprida!” Demorei a ficar “pronta”, entre a expulsão da placenta e os séculos que estive a ser cosida. Não tenho a certeza mas tenho ideia que algures nesta fase trouxeram o bebé vestido e voltaram a levá-lo para a sala “de vestir”. Passou mais de uma hora. Só quando eu estava preparada para passar para o recobro é que nos trouxeram o Duarte. Nesta fase a auxiliar insistia que eu comesse primeiro e que só depois o iria buscar. Lembro-me de pedir para o trazerem, de insistir mesmo, Ele veio mas foi entregue ao pai “porque eu tinha que me alimentar”. Lá comi qualquer coisa, lá desapareceu a senhora é ficamos os 3 sozinhos na sala de recobro. Ele mamou só nesta sala. Só nesta altura, depois de toda a confusão passar é que senti que uma pequena explosão de emoção e me apaixonei pelo meu bebé e pela família que estávamos a formar.

Cerca de uma hora depois vieram levar-me para o quarto. Eram 2h30 e o hospital não permitia que os pais ficassem de noite pelo que fiquei sozinha com o Duarte. Esta separação custou muito (mesmo muito). Eu fiquei dorida numa cama de hospital com um bebé para cuidar, com um boost gigante de hormonas e com toda a vontade de partilhar toda aquela confusão de sentimentos. Passei a noite acordada com o bebé no colo e lembro-me de alguém passar e reclamar que não deveria estar com ele no colo e tanto tempo na mama. O pai só pode voltar às 11h do dia seguinte (só podiam estar das 11h às 20h). Não me podia ajudar durante a noite, não podia ver o banho, não podia vestir, não podia dar colo, excepto naquele intervalo de 9h. O pai era sempre tratado como um visita especial e não como o outro elemento da família em falta. Eu esperava sempre que o Tó chegasse para ir à casa de banho ou tomar banho. Lembro-me de evitar comer e beber para não deixar o bebé sozinho durante a noite. Lembro-me que come exceção na ronda da manhã, ninguém perguntava se precisava de ajuda.   Estivemos 3 noites no hospital, as equipas eram pouco simpáticas, havia muito pouco apoio às mães, mas eu não tinha termo de comparação e  senti que até correu tudo bem. Na verdade o importante tinha acontecido: eu estava bem, o Duarte estava bem, e também ninguém tinha sido propriamente antipático.

Com o Miguel a chegar procurei um hospital público que permitisse o pai passar a noite o que para nós na altura do Duarte tinha sido a grande questão. O hospital mais perto com esse requisito era o Pedro Hispano, em Matosinhos. Marquei uma visita, gostei do que ouvi. O hospital envolvia o pai, humanizava o parto e era um hospital amigo do bebé. Ok, hospital escolhido.

Tal como o irmão, o Miguel não estava a dar grandes sinais que estaria para nascer. Já me diziam que tinha dilatação há mais de um mês, já tinha saído o rolhão há semanas e nada do rapaz se decidir. Já eu andava a desesperar (e com a data da indução a chegar - o que poderia dar outro post...) e a tentar todos os truques e dicas para tentar que o rapaz quisesse conhecer o mundo. No dia em que ele nasceu disseram-me ao almoço que “não devia estar para já porque a barriga ainda parecia muito subida”. Pois... nessa tarde comecei com contrações regulares. Deitei-me para ver se passavam. Não passaram. Continuaram e estavam a ficar bem frequentes. Tinha um jantar combinado num sítio que eu adoro, jantei entre as contrações (e aquela calzone ganhou um lugar ainda mais especial no meu coração e estômago 😂) e quase com a minha mãe a querer pegar-me por uma orelha e levar-me ao hospital. Saímos do restaurante por volta das 21:30. Chegamos a Matosinhos e o enfermeiro da triagem da urgência obstetrícia perguntou-me se eu, enquanto mãe de segunda viagem, achava que estava mesmo em trabalho de parto. Sim, acho mesmo que sim! CTG, contrações muito frequentes, bolsa rebenta enquanto lá estou deitada. Uns minutos depois sou observada pelo GO de serviço. 7cm de dilatação, mas o bebé ainda um bocadinho subido. O enfermeiro pergunta se quero anestesia. Duvido. “Segundo filho e 7cm de dilatação, eu gostava de esperar mas não tem propriamente o tempo a seu favor”. Explico que queria alguma analgesia mas não quero passar a ser espectadora do parto, como no parto do Du. Ele tranquilizou-me “queremos todos que a Vera tenha um papel activo”. Ok, sim por favor! Passamos (agora já com o Tó) para uma das salas de partos (o hospital tem 6 salas individuais). Levei a anestesia (e o Tó teve um pequeno piripaque a ver a agulha). Chegou a enfermeira parteira mais querida da história (ok, e a única que conheço a sério porque o parto do Duarte foi conduzido por uma médica). “Como se sente”? Com vontade de fazer força mas o médico disse que o bebé ainda estava subido! “Sim, mas isso foi quando ele viu, agora ele na está mesmo aqui!”. (Algures neste processo apercebo-me que alguém faz sinal à enfermeira porque a monitorização apresentava algum sofrimento fetal). “Vamos fazer força!”. E eu bem que fiz, que tentei, que toquei na cabeça do bebé (tudo conduzido pela enfermeira) e não conseguia fazer o rapaz nascer. Às tantas a enfermeira pediu desculpa, tinha mesmo que fazer um ligeiro corte para nos ajudar e porque o bebé precisava de nascer. E o Miguel nasceu,  às 23h04 (já disse que às 21h20 ainda estava a tomar um café e a comer um brigadeiro?) e veio logo para cima de mim, deitado, ligado a mim, chorou ali e eu apaixonei-me perdidamente por aquele bebé grande, gordinho, por aquele milagre de vida. Cortei o cordão umbilical, ficou ali muito tempo comigo. A placenta saiu, fui cosida com ele ali comigo e pareceu tudo muito rápido. Pesaram-no e mediram-no  mesmo ali ao meu lado. 53cm, 37,5 de perímetro cefálico, 4,080kgs de bebé. Apgar 9/10. “Que grande! Parabéns!”. A enfermeira foi sempre tão querida e eu mal me lembro do que me disse, só da sensação incrível que foi. Voltaram a colocá-lo comigo, ele mamou. Deixaram-me comida e bebida “para quando me apetecesse”. Ficamos os três sozinhos. Foi mesmo incrível. Não havia pressas, ninguém ia embora, o Duarte não estava ali mas estava bem. Estávamos óptimos e eu sentia-me uma super mulher.

Umas horas (?) depois vieram buscar-me. Fui para o quarto. Havia um lanche para mim na cabeceira e eu tinha muita fome. Aliás, lembro-me de ter sempre muito fome e de não perceber como é que no do Duarte não sentia nada disto. O Miguel era um bebé grande e pediriam-me para garantir que comia em intervalos regulares e curtos porque ainda teria mais possibilidade de fazer hipoglicemias. O Miguel não estava muito de acordo, sonolento e mal se apercebendo que tinha nascido era muito difícil de acordar. Mas estava ali o pai, para o acordar, para o despir, para lhe trocar a fralda sempre que foi preciso. Estava ali o pai para me ajudar a levantar ou em tudo o que eu precisei, para o por a arrotar, para ver se estava a pegar bem na mama. Estava a partilhar o papel comigo, como dever e direito de pai. Ficamos novamente três noite, o apoio no internamento foi incrível. Boa disposição, simpatia, cuidado. O Serviço (entre enfermeiros, auxiliares, médicos e vários estagiários que por lá passaram) passa uma sensação felicidade e calma que nos permitiu perpetuar esse nosso estado de espírito.

Agora à distância percebo que o primeiro parto não foi bom, foi apenas rápido. Teve uma episiotomia enorme provavelmente desnecessária, delegou o meu papel, impediu o apoio do pai e da comunidade, não foi considerada nenhuma escolha minha, não houve empatia, só protocolo e processo. O segundo parto foi exatamente aquilo que eu queria. Calmo, acompanhado, com um papel activo. Eu participei naquele pequeno milagre e foi a melhor sensação do mundo. A paixão por este filho veio muito mais rapidamente (talvez pelo parto, talvez por ser um segundo filho, talvez por tudo), o internamento foi incrível, a recuperação foi muito rápida.

Não sei haverá um próximo parto, gostava que houvesse e gostava que fosse, no mínimo, igual a este segundo. Se poder ser ainda mais incrível, melhor. :) 
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