quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A propósito de famílias

Numa altura em que me vejo cada vez mais rodeada por "famílias nucleares", longe de tudo e de todos, penso e repenso a sorte que tenho. Nasci numa família grande. Lá em casa éramos 4 mas ainda hoje tenho que pensar para saber quantos primos tenho ao todo (e não é porque só fale com eles no Natal). Tenho mesmo muitas memórias de mesas cheias e barulhos bons. É provável que os meus filhos não percam a conta aos primos, mas eles têm os avós e os tios por perto e, ainda melhor, têm o privilégio de ter uma "aldeia" a olhar por eles. 


Eu gosto do conceito de bairro, com todas as coisas que isso tem de bom. Gosto de conhecer a vizinha do lado, gosto de receber os pimentos que lhe sobram da colheita, gosto que os meus filhos sejam crianças "do lugar", gosto de me esquecer de qualquer coisa no café e a senhora saber que é meu. Gosto de ir à aldeia onde os meus pais cresceram e que até a senhora que está a pastar ovelhas (e que eu achava que não me conhecia) pergunta pela minha sobrinha. E outra que não deixa "o senhor dos doces" ir embora, porque sabia que eu estava por lá e queria saber se eu queria comprar doces "porque eu gosto". Gosto tanto desta familiaridade que não ligo muito aos pequenos problemas (como o excesso de "zelo" pela vida alheia ou o excesso de doces que o meu filho acaba por receber). Gosto que o meu filho saiba que tem "um quarto" na casa dos avós, dos tios e que comece a perceber que todos nós fazemos parte da educação dele - e que há regras diferentes nas várias casas. Gosto de todo o caos e toda a partilha dos almoços grandes. Gosto de sentir que vou acompanhar o crescimento dos meus sobrinhos bem de perto, que vou ter espaço deles na minha casa, e quero acreditar que eles vão perguntar por nós da mesma forma e na mesma frequência que o Duarte pergunta pelos tios. 

Depois há toda a sanidade dos momento sem filhos. Ter onde os deixar se quiser ter um bocadinho só para mim ou para nós. Deixar a porta aberta para ficarmos com os filhos "dos nossos". Ter lugares onde eles querem sempre ficar. Deixar que só entrem na escola aos 3 anos (e não, não concordo que seja minimamente importante para o crescimento deles ir mais cedo). E tanto mais.

É um privilégio. O privilégio que é crescer com os avós por perto. O privilégio que é quase não ter mesa suficiente para tanta gente. O privilégio que é poder fazer como me parece fazer mais sentido. O privilégio de nunca estar sozinho. 



segunda-feira, 13 de julho de 2020

Sinto que aquelas semanas do confinamento não foram apenas um monte de coisas más. Em jeito de disclaimer... Claro que não acredito na ideia (estúpida) de mensagens do Universo para que abrandemos e tenho consciência que este sentimento existe por... sorte. A verdade é que a quarentena chegou comigo de licença, por isso nunca passei pela fase "dois adultos a trabalhar e 2 crianças a chorar". Consegui, de algum forma, "partilhar" o confinamento com a minha família mais chegada e, no final das contas o mais importante: ninguém, até ao momento, ficou doente, perdeu emprego ou teve algum problema evidente como consequência direta disto tudo.

Adiante, dizia eu que vejo coisas boas. Não só o básico: passamos muitos dias fechados em casa, não nos chateamos (hum, houve um dia em que me passei moderadamente, mas acho que ficar fechada e a ver números e a ler artigos e notícias assustadoras não confere saúde mental a ninguém), não me senti mais stressada ou zangada com os miúdos (fora a depressão de ter ficado sem umas férias que aposto que iam ser espetaculares) e na verdade fizemos coisas mesmo muito porreiras. 

A minha preocupação inicial para "tornar isto tudo o mais normal possível" acabou por nos transmitir a todos uma normalidade boa que eu só confirmo agora, ao ver as fotografias daquelas semanas. Construímos um frasco com boas ideias para fazer em casa, jogamos mais jogos de tabuleiro do que nos últimos 3 anos, pintamos, cozinhamos muito, construimos uma horta na varanda, melhoramos divisões, compramos e lemos muitos livros (infantis), convertemos-nos a fraldas e guardanapos de pano, encomendamos de pequenos produtores, preparamos festas super exclusivas, construimos uma macaca no corredor (e ainda jogamos quando lá passamos), fizemos uma verdadeira praia em casa num dia de chuva, almoços na varanda e muitos piqueniques na sala. Nunca me senti sem ideias, o Duarte percebeu que o lugar dele não estava ameaçado pelo irmão bebé e nós percebemos que não queremos morar a vida toda numa casa sem jardim. Grandes planos e bons. Investigamos mais sobre sustentabilidade,  percebi que não tenho saudades de restaurantes (onde íamos muitas vezes), e poupamos mais.

Esta lista pode ainda ter mais pontos, mas hoje é disto que me lembro. Percebi que quero voltar a escrever por aqui porque me faz bem e porque gosto de me reler. Os dias a 4 fechados em casa já lá vão, e esta nova vida de teletrabalho tem sido cheia de descobertas boas. Mas isso... fica para outra história. 

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Os meus filhos nasceram assim

(Encontrei este texto nos rascunhos. Na altura foi escrito para partilhar e depois passou-me. Mostrei-o a uma amiga que me disse "partilha, é bom ler histórias boas". Aqui fica a minha história boa.)


Se me perguntassem há 2 meses se o parto do Duarte tinha sido bom eu responderia que sim, sem duvida. Entrei em trabalho de parto algures durante a tarde. Até aí não tinha tido qualquer sinal de contração ritmada ou outro sinal que o parto estaria para acontecer. As contrações nem sequer eram fortes ou dolorosas (e sendo eu na altura inexperiente na coisa nem sequer as identifiquei logo como contrações!). O “desconforto” foi-se tornando mais frequente ao longo da tarde e por volta das 20h estava com contrações a cada 5 minutos (mais coisa, menos coisa que não estava muito atenta à contagem). Estava sozinha e pedi para a minha irmã vir ter comigo. Uma hora depois a bolsa rebentou e com contrações bastante frequentes há algum tempo (que não passavam em repouso) e uma bolsa rebentada... comecei a sentir que talvez fosse hora de ir (e mesmo que não sentisse... a minha irmã ter-me-ia arrastado para lá!). No entanto o Tó estava em aulas e eu achava que não valia a pena grandes pressas. Arranjei-me e fomos para o hospital. Nestas andanças... dei entrada no hospital já a passar das 22h30. Continuava plenamente convencida que o bebé ainda iria demorar umas horas a nascer mas entretanto tinha avisado o rapaz que íamos para o hospital. Quando fui observada já tinha alguma dilatação (uns 4cm, se bem me lembro) e o CTG acusava as contrações frequentes, que começavam a ser dolorosas. Algum tempo depois o bebé começou a acusar algum sofrimento e fui logo para a sala de parto. A dilatação já tinha aumentado e o parto estava quase a acontecer. Pedi nesta fase epidural (tinha inicialmente recusado) e com a epidural deixei de sentir qualquer dor mas também de ter um papel activo. Chamaram o pai para entrar nesta fase. O Duarte demorou uns 5 minutos a nascer, com direito a episiotomia grande, ajuda da ventosa, a enfermeira deitada em cima de mim e a médica a dar indicações que eu não conseguia cumprir. Eram 23h55 quando ele nasceu. Não me apercebi que tinha sido utilizada a ventosa e... pior, não me apercebi que o bebé tinha nascido. Apercebi-me que ele nasceu porque repentinamente deixei de ter “atenção” da equipa ao meu redura . Não o ouvi logo chorar e não o via mas estavam todos a dizer-me que estava “tudo bem”. Lembro-me de sentir pânico/desespero/medo durante breves segundos que pareceram horas. Ele chorou. Embrulharam-no e entregaram-no ao pai. Vi finalmente o meu bebé, vi que estava bem, que tinha corrido tudo bem. Não me apaixonei por ele ali. Disseram que o tinham que levar novamente. Foi sozinho para outra sala com as enfermeiras para ser vestido, pesado, sei lá. Nasceu o meu bebé, 50cm, 3,050Kgs, um APGAR de 9/10, e a minha cabeça só me dizia “ok, missão cumprida!” Demorei a ficar “pronta”, entre a expulsão da placenta e os séculos que estive a ser cosida. Não tenho a certeza mas tenho ideia que algures nesta fase trouxeram o bebé vestido e voltaram a levá-lo para a sala “de vestir”. Passou mais de uma hora. Só quando eu estava preparada para passar para o recobro é que nos trouxeram o Duarte. Nesta fase a auxiliar insistia que eu comesse primeiro e que só depois o iria buscar. Lembro-me de pedir para o trazerem, de insistir mesmo, Ele veio mas foi entregue ao pai “porque eu tinha que me alimentar”. Lá comi qualquer coisa, lá desapareceu a senhora é ficamos os 3 sozinhos na sala de recobro. Ele mamou só nesta sala. Só nesta altura, depois de toda a confusão passar é que senti que uma pequena explosão de emoção e me apaixonei pelo meu bebé e pela família que estávamos a formar.

Cerca de uma hora depois vieram levar-me para o quarto. Eram 2h30 e o hospital não permitia que os pais ficassem de noite pelo que fiquei sozinha com o Duarte. Esta separação custou muito (mesmo muito). Eu fiquei dorida numa cama de hospital com um bebé para cuidar, com um boost gigante de hormonas e com toda a vontade de partilhar toda aquela confusão de sentimentos. Passei a noite acordada com o bebé no colo e lembro-me de alguém passar e reclamar que não deveria estar com ele no colo e tanto tempo na mama. O pai só pode voltar às 11h do dia seguinte (só podiam estar das 11h às 20h). Não me podia ajudar durante a noite, não podia ver o banho, não podia vestir, não podia dar colo, excepto naquele intervalo de 9h. O pai era sempre tratado como um visita especial e não como o outro elemento da família em falta. Eu esperava sempre que o Tó chegasse para ir à casa de banho ou tomar banho. Lembro-me de evitar comer e beber para não deixar o bebé sozinho durante a noite. Lembro-me que come exceção na ronda da manhã, ninguém perguntava se precisava de ajuda.   Estivemos 3 noites no hospital, as equipas eram pouco simpáticas, havia muito pouco apoio às mães, mas eu não tinha termo de comparação e  senti que até correu tudo bem. Na verdade o importante tinha acontecido: eu estava bem, o Duarte estava bem, e também ninguém tinha sido propriamente antipático.

Com o Miguel a chegar procurei um hospital público que permitisse o pai passar a noite o que para nós na altura do Duarte tinha sido a grande questão. O hospital mais perto com esse requisito era o Pedro Hispano, em Matosinhos. Marquei uma visita, gostei do que ouvi. O hospital envolvia o pai, humanizava o parto e era um hospital amigo do bebé. Ok, hospital escolhido.

Tal como o irmão, o Miguel não estava a dar grandes sinais que estaria para nascer. Já me diziam que tinha dilatação há mais de um mês, já tinha saído o rolhão há semanas e nada do rapaz se decidir. Já eu andava a desesperar (e com a data da indução a chegar - o que poderia dar outro post...) e a tentar todos os truques e dicas para tentar que o rapaz quisesse conhecer o mundo. No dia em que ele nasceu disseram-me ao almoço que “não devia estar para já porque a barriga ainda parecia muito subida”. Pois... nessa tarde comecei com contrações regulares. Deitei-me para ver se passavam. Não passaram. Continuaram e estavam a ficar bem frequentes. Tinha um jantar combinado num sítio que eu adoro, jantei entre as contrações (e aquela calzone ganhou um lugar ainda mais especial no meu coração e estômago 😂) e quase com a minha mãe a querer pegar-me por uma orelha e levar-me ao hospital. Saímos do restaurante por volta das 21:30. Chegamos a Matosinhos e o enfermeiro da triagem da urgência obstetrícia perguntou-me se eu, enquanto mãe de segunda viagem, achava que estava mesmo em trabalho de parto. Sim, acho mesmo que sim! CTG, contrações muito frequentes, bolsa rebenta enquanto lá estou deitada. Uns minutos depois sou observada pelo GO de serviço. 7cm de dilatação, mas o bebé ainda um bocadinho subido. O enfermeiro pergunta se quero anestesia. Duvido. “Segundo filho e 7cm de dilatação, eu gostava de esperar mas não tem propriamente o tempo a seu favor”. Explico que queria alguma analgesia mas não quero passar a ser espectadora do parto, como no parto do Du. Ele tranquilizou-me “queremos todos que a Vera tenha um papel activo”. Ok, sim por favor! Passamos (agora já com o Tó) para uma das salas de partos (o hospital tem 6 salas individuais). Levei a anestesia (e o Tó teve um pequeno piripaque a ver a agulha). Chegou a enfermeira parteira mais querida da história (ok, e a única que conheço a sério porque o parto do Duarte foi conduzido por uma médica). “Como se sente”? Com vontade de fazer força mas o médico disse que o bebé ainda estava subido! “Sim, mas isso foi quando ele viu, agora ele na está mesmo aqui!”. (Algures neste processo apercebo-me que alguém faz sinal à enfermeira porque a monitorização apresentava algum sofrimento fetal). “Vamos fazer força!”. E eu bem que fiz, que tentei, que toquei na cabeça do bebé (tudo conduzido pela enfermeira) e não conseguia fazer o rapaz nascer. Às tantas a enfermeira pediu desculpa, tinha mesmo que fazer um ligeiro corte para nos ajudar e porque o bebé precisava de nascer. E o Miguel nasceu,  às 23h04 (já disse que às 21h20 ainda estava a tomar um café e a comer um brigadeiro?) e veio logo para cima de mim, deitado, ligado a mim, chorou ali e eu apaixonei-me perdidamente por aquele bebé grande, gordinho, por aquele milagre de vida. Cortei o cordão umbilical, ficou ali muito tempo comigo. A placenta saiu, fui cosida com ele ali comigo e pareceu tudo muito rápido. Pesaram-no e mediram-no  mesmo ali ao meu lado. 53cm, 37,5 de perímetro cefálico, 4,080kgs de bebé. Apgar 9/10. “Que grande! Parabéns!”. A enfermeira foi sempre tão querida e eu mal me lembro do que me disse, só da sensação incrível que foi. Voltaram a colocá-lo comigo, ele mamou. Deixaram-me comida e bebida “para quando me apetecesse”. Ficamos os três sozinhos. Foi mesmo incrível. Não havia pressas, ninguém ia embora, o Duarte não estava ali mas estava bem. Estávamos óptimos e eu sentia-me uma super mulher.

Umas horas (?) depois vieram buscar-me. Fui para o quarto. Havia um lanche para mim na cabeceira e eu tinha muita fome. Aliás, lembro-me de ter sempre muito fome e de não perceber como é que no do Duarte não sentia nada disto. O Miguel era um bebé grande e pediriam-me para garantir que comia em intervalos regulares e curtos porque ainda teria mais possibilidade de fazer hipoglicemias. O Miguel não estava muito de acordo, sonolento e mal se apercebendo que tinha nascido era muito difícil de acordar. Mas estava ali o pai, para o acordar, para o despir, para lhe trocar a fralda sempre que foi preciso. Estava ali o pai para me ajudar a levantar ou em tudo o que eu precisei, para o por a arrotar, para ver se estava a pegar bem na mama. Estava a partilhar o papel comigo, como dever e direito de pai. Ficamos novamente três noite, o apoio no internamento foi incrível. Boa disposição, simpatia, cuidado. O Serviço (entre enfermeiros, auxiliares, médicos e vários estagiários que por lá passaram) passa uma sensação felicidade e calma que nos permitiu perpetuar esse nosso estado de espírito.

Agora à distância percebo que o primeiro parto não foi bom, foi apenas rápido. Teve uma episiotomia enorme provavelmente desnecessária, delegou o meu papel, impediu o apoio do pai e da comunidade, não foi considerada nenhuma escolha minha, não houve empatia, só protocolo e processo. O segundo parto foi exatamente aquilo que eu queria. Calmo, acompanhado, com um papel activo. Eu participei naquele pequeno milagre e foi a melhor sensação do mundo. A paixão por este filho veio muito mais rapidamente (talvez pelo parto, talvez por ser um segundo filho, talvez por tudo), o internamento foi incrível, a recuperação foi muito rápida.

Não sei haverá um próximo parto, gostava que houvesse e gostava que fosse, no mínimo, igual a este segundo. Se poder ser ainda mais incrível, melhor. :) 
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